top of page

Motivo

  • Letícia Torança
  • 7 de mar. de 2016
  • 3 min de leitura

Eu não tenho a lembrança do preciso momento em que comecei a cantar. Mas, lembro que no início da prática do canto não tinha muita consciência do que estava acontecendo com meu corpo e com o meu estado anímico. Mas percebia um sentimento de bem estar comigo mesma e a que a constância no estudo produzia uma sonoridade progressivamente melhor. Mas, o que será que acontece?

Cantar envolve um pouco mais do que os órgãos do trato vocal. Respiração, musculatura, postura e consciência são fatores importantes a serem observados, constantemente treinados até se adqurir controle e técnica. Mas, também envolve fatores bioquímicos e emocionais. Do ponto de vista fisiológico, quando cantamos produzimos maior oxigenação no cérebro, o que altera o estado de consciência, libera hormônios e neurotransmissores que modulam a emoção do cantor de acordo com sua história pessoal. Estudiosa deste assunto, a professora e cantora Cecília Valentim ensina que em termos de bioquímica da emoção, ao cantarmos, nos conectamos com nossa experiência em relação aos sentimentos que a música traduz. Se a experiência é consonante, liberamos serotonina, dopanina e endorfinas, se dissonantes, adrenalina e cortizol.1 Assim, saber que as emoções geram a reação química e que a reação química modula as emoções é fundamental a quem busca a plenitude.

Neurotransmissores são substâncias químicas produzidas nos neurônios, capazes de produzir a sinapse, ou seja, a condução e transmição de informações de um neurônio pra outro através de um impulso elétrico. Pois bem, a serotonina e a dopanina são neurotransmissores liberados no organismo em experiências de canto harmoniosas ao sentimento do cantor. De acordo com o Dr. Mário Perez2 a serotonina é a “artista principal” entre os neurotransmissores clássicos, porque vem sendo compreendida no senso comum como sinônimo de felicidade. A dopamina, dentre várias funções cerebrais, está ligada à motivação, à recompensa, ao humor, à atividade motora, ao aprendizado, à atenção. Já a endorfina, assim denominada por se originar das palavras endo (interno) e morfina (analgésico), é um neuro-hormônio natural produzido na glândula hipófise que, dentre diversar funções como regular a liberação de outros hormônios, tem ação analgésica que ao ser liberada estimula a sensação de bem estar, conforto e alegria.

A adrenalina e o cortizol são hormônios, também neurotransmissores, produzidos pelo organismo que, dentre suas funções, agem em resposta a situações de estresse, podendo provocar, por exemplo, aumento da pressão arterial e do açúcar no sangue. Assim, se o cantor conecta a sua experiência de vida com um sentimento desarmonioso traduzido pela música, é possível que libere esses hormônios e produza reações a bioquímicas que modularão a sua emoção.

Essas são algumas descobertas que a ciência apresenta sobre o processo físico, bioquímico e emocional do cantar. Podemos concluir que cantar é prazeroso e sendo assim, pode trazer benefícios físicos e emocionais pra quem se coloca nessa disposição. Por isso, as descobertas pessoais se dão num caminho individual de procura de uma voz que traduza a percepção de mundo de cada um.

Mas, se quisermos uma causa poética pra justificar o canto, Cecília Meireles nos apresenta Motivo3:

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem triste:

Sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou edifico,

se permaneço ou me desfaço,

- não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno e asa ritmada.

E sei que um dia estarei mudo:

- e mais nada.

Assim, a ciência, a poesia, a beleza da música podem ser inpiradores. Mas, no caminho do canto, cada um encontrará os seus motivos.

Não tenho a lembrança do momento preciso em que comecei a cantar.

Mas, sei que canto porque é preciso.


 
 
 

Comments


bottom of page