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No princípio era o verbo

  • Leticia Torança
  • 14 de mar. de 2016
  • 2 min de leitura

“Assim era no princípio, metáfora pura suspensa no ar

Assim era no princípio, só bocas abertas inda balbuciantes querendo cantar...”

(Luiz Tatit – O Meio)

Muitas pessoas me perguntam se qualquer pessoa pode cantar ou se é possível somente a quem nasceu com o dom.

Se fizermos um pequeno exercício de memória ou mesmo observarmos as crianças alguns meses depois de nascer, veremos que elas balbuciam as primeiras sílabas das palavras que mais ouvem: ma, de mamãe, mamá, ba e pa, de papai (o ba no início, pois exige menor pressão lábial e logo depois o pa), e assim por diante... Aprendemos a falar, sobretudo, por imitação e ao mesmo tempo carregamos traços genéticos dos nossos pais. Por isso, é possível e natural que desenvolvamos um timbre de voz e até mesmo um gesto de fala parecidos com os dos nossos pais.

Além das informações genéticas herdadas somam-se a elas as experiências absorvidas no meio em que crescemos. Tudo o que ouvimos ao longo da vida, e desde o ventre materno, é de algum modo registrado na memória, mesmo que não a acessemos. Mas, tudo o que expressamos, em termos de voz, vem de uma memória, que pode ser recebida do meio, como já falamos acima, ou construída.

Sim, podemos construir uma memória! Ensinamos coisas ao nosso corpo ao longo da vida. E o nosso corpo tem memória! Não nascemos respirando, mas após a primeira respiração seguimos respirando naturalmente sem que ninguém precise nos explicar isso na maternidade. Mas, lá adiante na vida, por meio da meditação, da yoga, ou mesmo do canto, aprendemos a respirar de novo! E aí passamos a construir uma memória.

No canto usamos a respiração de um modo muito consciente. Pois, o ar é a matéria-prima que se transforma em voz. O nosso som. Pensamos sobre isso ao inspirar, ampliando a nossa caixa toráxica, criando apoio muscular abdominal... E, ao expirar, controlando a saída de ar de acordo com a extensão da frase a ser cantada, usando maior ou menor pressão de ar em notas agudas ou notas graves...

Uma canção, antes de ser cantada, é estudada. Onde respirar, onde sustentar uma nota. O quanto respirar antes de uma nota longa...

É certo que algumas pessoas têm uma habilidade musical nata, o que chamamos de dom. Mas, é também certo que pra desenvolver essa habilidade é necessário o estudo e prática. É preciso desfazer o mito de que o dom não exige trabalho.

Isso tudo pra responder à pergunta inicial: Todos podem cantar?

Então, eu respondo: todos que nasceram com os órgãos do trato vocal saudáveis e que estão aptos a falar estão também aptos a cantar. Se aprendemos a falar, por que não podemos aprender a cantar? Basta querer! Um querer que desacomode a alma e movimente os nossos sonhos. Um querer que nos coloque no lugar de aprender, de melhorar, de realizar!

Os primeiros versos da canção O Meio, de Luiz Tatit, revelam de pronto a nossa condição humana: Tivemos um princípio!


 
 
 

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