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“Precisamos de inimigos (conflitos, metas, desafios) para continuarmos, ou para nos sentirmos vivos?

  • Fernando Angeli
  • 19 de abr. de 2016
  • 4 min de leitura

Recebi esta pergunta do nosso grande amigo, e também colaborador, Paulo Sartori. Percebi tal questão de modo capcioso, amplo, assim sendo, usando a afinidade que tenho com o pensamento libertário trarei assim a resposta, para um debate filosófico, deixando um pouco de lado um texto de cunho médico.

Pensemos sobre o valor ideológico que pode ser constatado nesta questão.

Conceber a ideia de que, ao encontrar resistências, o cérebro procura organizar-se alternativamente a fim de propor soluções, ou adaptações ao meio, à vida, é algo factual, muito crível sob o ponto de vista da Psicologia.

Porém, creio que uma das outras muitas ideias que podemos abstrair da afirmação em tela, é a de que: Seria necessário suplantar outrem, dentro do contexto social para obter satisfação, ou até mesmo a perpetuação biológica da espécie, da vida. Ou ainda: que é necessário, em determinadas faces do convívio humano, competir, disputar ou concorrer mutuamente em sociedade de forma perpétua, para se encontrar a melhor forma do “ser humano”.

Habitualmente, quase sob um censo comum, o leitor pode relacionar tais ideias com uma concepção Darwinista de Seleção natural, ou alguma ideia de evolucionismo grupal pela exclusão de algo menos dotado de capacidade do que outro dentro de um contexto social.

(Kropotkin, 1921) conceitua, o que o mesmo chamou de “auxílio mútuo”, fundamentado em um estudo prático em que, observando determinadas espécies, que tinham um caráter gregário de organização e concepção, ele não concluiu que as espécies que excluíam seus pares menos habilitados ou adaptados, através da dita “seleção natural” de Charles Darwin, eram as melhores adaptadas e perpetuadas nos microssistemas analisados, mas sim, as que melhor criavam descendências e a perpetuação da sua espécie eram aquelas em que havia certo censo de colaboração, cooperação coletiva entre os pares do mesmo grupo.

Se nos apropriarmos da ideia de “auxílio mútuo”, perceberíamos que, ter inimigos, ou opositores, poderia não ser mais válido, ou mais útil do que ter pares colaborativos, facilitadores dentro do âmbito social.

É “natural” a ideia de superação, evolução constante, oposição, em um sistema social que perpetua o lucro, o aproveitamento ‘racional’ do tempo, em prol de acúmulo financeiro como premissas relacionadas ao conceito de “bem ou mal”, ou “bom ou ruim”. E mais natural ainda seria, acreditar, e, por que não, se beneficiar psicologicamente no tocante à motivação, da ideia de superação de obstáculos e do outro, para encontrar plenitude e bem estar emocional.

(Proudhon, 1865) ainda infere na questão do direito de herança, como uma das bases incontestáveis da instauração das classes sociais, e uma das maiores causas da desarmonia e do caos dentro do convívio humano em sociedade.

Se pensarmos que, as classes promovem distinção social, e fatalmente, ideológica entre os indivíduos de um mesmo contexto social, e que, em diversos momentos, tal fato incorre em prejuízo ao bem estar e a um psiquismo saudável, não se pode negar o fato de que, oposições interpessoais não podem vir a ser mais frutíferas do que a colaboração, cooperação e a busca de afinidade entre os pares. Isto sem deixar de mencionar que se fundamentam a partir da luta de classes distorções perceptuais do “eu” e do “outro”, como o preconceito, o sectarismo, a xenofobia, elementos que incidem de modo disfuncional e prejudicial à saúde mental dos indivíduos.

Diante do exposto, podemos conceber uma ideia de que a motivação à fazer algo melhor, ou maior do que o outro, ou a superação de algo, ou uma ideia individual, pode construir em alguns âmbitos do convívio humano, servir de sentido ou de objetivo pessoal. Contudo, não deixo de voltar os olhos com mais apetite à uma ideia em que talvez não precisemos de inimigos para nos sentirmos vivos, mas sim, de cooperação para conquistar obstáculos, metas e conflitos para podermos nos motivar e desejar o amanhã.

A verdade ideológica ou dogmática, não se discute, pois se trata de “Crença central” (Beck,1997), ou seja, uma ideia de caráter estrutural dentro do psiquismo individual, que opera e parametriza o comportamento do individuo, independente de sua lógica ou validade funcional para o mesmo. Entretanto, em prevenção a elementos disfuncionais no psiquismo humano, se aposta com mais frequência em um modelo de auxílio mútuo, colaboração e cooperação no grupo.

Antes de finalizarmos, acredito também na ideia de (Frankl, 1905) em que se julga necessário dotar algum elemento, qualquer elemento que seja, e que esteja compreendido e faça parte de nossa realidade, de sentido positivo para assim fomentar a motivação pela vida, pelo convívio e pela perpetuação do futuro, para uma plena saúde mental; ou como ele mesmo cita, para tornar a existência, de algum modo, suportável.

Obrigado, um grande abraço e até a próxima.

Referências bibliográficas:

Frankl, Viktor E. 1905, - “Um sentido para a vida: psicoterapia e humanismo” [tradução Victor Hugo Silveira] – Aparecida, São Paulo: Ideias e Letras, 2005. (11ª edição).

Kropotkin, Piotr A. 1842-1921. – “Palavras de um Revoltado” [tradução Plínio Coelho] – São Paulo: Imaginário: Ícone Ed. 2005.

Beck, Aaron T. – “Terapia Cognitiva da Depressão” [tradução Sandra Costa] – Porto Alegre: Artmed, 1997.

Proudhon, Pierre J. 1809-1865 – “A propriedade é um Roubo e outros escritos anarquistas” – Porto Alegre: L & M, 1998.


 
 
 

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